O debate sobre o superávit estrutural das contas públicas brasileiras voltou ao centro da cena política e econômica com força, especialmente diante da piora dos indicadores fiscais nos primeiros anos do governo Lula. O tema ganhou destaque após declarações do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que tentou atribuir os problemas fiscais herdados ao governo anterior. Contudo, dados de instituições independentes como a Instituição Fiscal Independente demonstram que a origem do atual rombo não está no passado, mas no aumento expressivo das despesas promovido pela atual gestão. O superávit estrutural, portanto, precisa ser tratado com responsabilidade técnica, não com tentativas de reescrever a história.
Entender o que é o superávit estrutural é essencial para compreender o debate atual. Trata-se do resultado fiscal ajustado por fatores excepcionais e pelo ciclo econômico. Ou seja, elimina-se o efeito de receitas extraordinárias, como concessões ou dividendos não recorrentes, e desconta-se o impacto de eventos como pandemias ou desastres naturais. O objetivo é mostrar o verdadeiro equilíbrio entre receitas e despesas públicas em condições normais de operação. Um superávit estrutural positivo indica sustentabilidade fiscal no médio e longo prazo, o que é fundamental para a estabilidade econômica.
Ao contrário do que afirmou o ministro da Fazenda, o governo anterior não baseou seus bons resultados fiscais em manobras irregulares. Os números da própria IFI mostram que, após dois anos de déficit estrutural, houve superávit nos dois últimos anos da gestão passada, com resultados positivos equivalentes a 0,6% e 0,3% do PIB. Isso comprova que o equilíbrio fiscal foi conquistado com medidas sustentáveis. Já nos dois primeiros anos do atual governo, o que se observou foi um aumento dos déficits estruturais, que alcançaram 1,4% e 1,7% do PIB, revelando uma trajetória preocupante.
O problema central para a obtenção de um superávit estrutural duradouro não está em tributar mais, mas em gastar menos. O governo atual aumentou significativamente as despesas em áreas como folha de pagamento, programas sociais e emendas parlamentares, o que comprometeu o equilíbrio das contas. Reverter esse quadro exige coragem política para enfrentar o crescimento das despesas obrigatórias e rever políticas que pressionam o orçamento. Sem isso, qualquer tentativa de superávit estrutural será inócua, baseada apenas em medidas temporárias ou maquiagem contábil.
A narrativa de que o atual desequilíbrio se deve a decisões do passado pode ser politicamente conveniente, mas não resiste à análise técnica. A venda de estatais, por exemplo, não entra no cálculo do resultado primário. Além disso, medidas como o parcelamento de precatórios ou alterações no ICMS podem ter efeitos pontuais, mas não explicam o rombo persistente nas contas. O desafio agora é lidar com a realidade, que exige um ajuste focado no presente e na contenção do crescimento dos gastos públicos. O superávit estrutural será possível apenas se houver compromisso com essa agenda.
É importante lembrar que a confiança dos agentes econômicos na capacidade do governo de controlar suas contas influencia diretamente o desempenho da economia. Juros, câmbio e investimentos são afetados pela percepção de risco fiscal. Portanto, garantir um superávit estrutural não é uma questão apenas de números, mas de credibilidade e responsabilidade. O governo que conseguir entregar um resultado fiscal consistente colherá os frutos em forma de crescimento econômico sustentável, inflação controlada e maior capacidade de investimento público e privado.
A discussão sobre o superávit estrutural também envolve transparência e respeito às instituições. A atuação de órgãos como a IFI, com metodologias claras e apartidárias, é fundamental para balizar o debate público e evitar manipulações políticas. Quando o governo tenta desqualificar dados ou recontar a história a seu favor, enfraquece a confiança nas regras fiscais e compromete o ambiente econômico. O caminho para o equilíbrio passa por reconhecer os erros, assumir as responsabilidades e traçar um plano claro de consolidação fiscal.
Por fim, se o governo deseja realmente entregar um superávit estrutural, precisa começar pelos próprios atos. Não adianta buscar mais receitas por meio de aumento de tributos enquanto as despesas seguem crescendo sem controle. O ajuste necessário exige decisões difíceis, como revisão de benefícios, corte de gastos ineficientes e melhoria da qualidade do gasto público. Somente com disciplina e compromisso com a sustentabilidade será possível transformar o discurso do superávit estrutural em realidade. A César o que é de César, e ao contribuinte o que é responsabilidade fiscal.
Autor: Susan Green